Sunday, January 08, 2006

Há domingos difíceis

Os domingos não são fáceis
2006-01-08

Depois de uma noite não muito fácil, levanto-me e pego no jornal.

Na primeira página anuncia-se uma Pública com ideias quentes mas o Destaque desta edição provoca-me arrepios: Saúde Mental – A reforma em marcha

Título de caixa: Governo pode fechar dois hospitais psiquiátricos.

Lisboeta, vem-me à cabeça o Júlio de Matos (que conheço) e o Miguel Bombarda. Será?

Em letras muito pequenas, como legenda a uma fotografia que me faz lembrar os filmes do Pedro Costa, diz-que o Público “ visitou hospitais psiquiátricos, falou com responsáveis políticos e médicos e verificou que os portugueses estão entre os europeus mais vulneráveis às doenças mentais.”

O Público verificou que somos os mais vulneráveis? Verificou, como? Vendo? Falando? Lendo estatísticas?

Que pena que o Público se esqueça dos internados nesses hospitais. Terá falado com pessoas como aquela mulher que aparece na fotografia? Duvido. Como não há nomes a acompanhar o que vem na primeira página, o Público, que fez estas coisas que anuncia, não tem talvez pessoas para falar com eles.

Volto a página. Cá está:

Pelo menos dois hospitais psiquiátricos podiam fechar já

Quem o diz é a secretária de Estado Carmen Pignatelli.
De novo, na minha cabeça, os internados do Júlio de Matos. Onde os vão meter?

Os meus olhos são atraídos para uma notícia ao lado, mais pequena

Internados num hotel em vez de num hospital?

Lembranças de New York, rua 101 com a Amesterdam Av, onde havia um ‘hotel’ habitado por doentes mentais, levam-me a fazer a ligação. Mas não é aqui o caso. As dua notícias não têm a ver uma com a outro. Estão só lado a lado. No entnanto, doenças mentais parececem andar na ordem do dia pela Europa.

A ida para o hotel é referida numa notícia, retirada do Guardian, onde se fala de um relatório do Sainsbury’s Center for Mental Health. A crer no que é dito no início, deve ser um relatório muito interessante:

“As pessoas que sofrem de problemas de saúde mental poderiam ter direito a uma
curta estada num hotel em vez de serem internadas num hospital”

Coisa extraordinária. Fico confusa. Deve ser por ser domingo. Tenho que ver se encontro o relatório na Net.

Volto à notícia principal. Fico a saber que há seis hospitais psiquiátricos em Portugal. Para um país tão vulnerável, não me parece muito. Mas é. Estes hospitais não têm “outras valências”. Os doentes estão melhor em Serviços psiquiátricos dos hospitais gerais, diz-se. Não me parece óbvio. A minha experiência do Hospital Júlio de Matos e aquilo que o Prado Coelho anda a contar sobre a sua no Hospital Santa Maria leva-me a imaginar cenas de pesadelo ou de terror, pelos corredores de Santa Maria.
Mas os peritos dizem que é melhor, a senhora Secretária de Estado diz que é melhor, o Lá Fora diz que é melhor e, portanto, é melhor. Quem sou eu?
A Senhora Secretária de Estado fala em depressões, a tal doença que a Evidência diz que vai ser a epidemia dos século XXI. (E eu a pensar que seria a pandemia da gripe aviária...). Afirma que esta doença não é tratada em hospitais psiquiátricos. Mas porque fala ela em depressões quando as estatísticas apresentadas para causas de internamento psiquiátrico não a referem? Retirem-se as consultas para os depressivos. De qualquer maneira, porque vão estes a consultas? Podem fazer um check-in num hotel.
Para esses outros é fundamental a “criação da rede de cuidados continuados” que integra um conjunto de unidades de saúde e instituições do sector privado, social religioso e publico que articularão respostas a dar a idosos e pessoas dependentes, como é o caso de alguns doentes mentais”. Ou então ficam em casa onde lhes será prestada assistência. Os esquizofrénicos? Os psicóticos? Suicidas, retardados/atrasados, violentos, prostados, sedados?

A poupança não é a preocupação da Reforma, tem o cuidado de dizer a Senhora Secretária de Estado. É preciso uma “melhor distribuição de recursos, que são escassos.” RECURSOS. Coisas, pessoas de recurso?

E, finalmente,

O que é que os nossos doentes psiquiátricos têm de especial para que não façamos
reformas que se fizeram noutros países há 20 anos?


Nada, minha Senhora. Os nossos doentes psiquiátricos não têm nada de especial. Aqui, como noutras partes, não são tidos nem achados na sua catalogação, no seu tratamento, nos ditos recursos ... enfim, para aquilo que podem (ou gostariam de) ter/ser.

Os senhores políticos, a Senhora Secretária de Estado já ouviram algum? Isto, mesmo se aceitarmos que os médicos falam com eles e os ouvem.

Já nem passo para outra página do jornal. Já me chega por agora.
É domingo e há domingos que não são mesmo nada fáceis.

Este é o meu primeiro post deste ano de 2006. Suponho que devia ter dito: Bom ano.

Mas para estes domingos não há anos.